Ignácio de Loyola Brandão encerra ciclo de oito anos de formação em literatura na cidade de Suzano
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Uma noite repleta de histórias e de ensinamentos. Foi assim o bate-papo do projeto Viagem Literária, com o renomado escritor Ignácio de Loyola Brandão. O evento ocorreu nesta quarta-feira (17/10), no Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi, encerrando na cidade o ciclo de oito anos de formação literária para leitores e escritores. O projeto é uma realização da Secretaria de Cultura em parceria com o governo do Estado.Num auditório lotado por professores e futuros profissionais da área, Loyola iniciou a noite com relatos sobre mestres que marcaram sua trajetória desde a infância, e, que o ajudaram a descobrir a realização por meio da escrita. Durante a infância, o autor se declarou como inibido e desajeitado, até que seus textos fizeram com que se sentisse visto e admirado.
“Não era bonito nem nada, mas tinha na cabeça alguma coisa que poderia mudar e transformar o mundo. A literatura é uma vingança contra as injustiças que a gente vive. É aquilo que nos representa”, declarou o escritor, que tem como única intenção contar histórias, ainda que não saiba qual a dimensão que estas poderão ganhar no futuro.
“O que escrevo pra mim acaba chegando aos outros. A palavra sempre chega a algum lugar. Isso me reconforta e me faz continuar neste ofício, exercido a tanto tempo”, disse.
Há vinte anos, Loyola escreve crônicas para o jornal O Estado de S. Paulo, o que lhe obriga a fazer a chamada ‘literatura sobre pressão’. Nos textos quinzenais, capta histórias pessoais e do cotidiano, algumas contadas à plateia durante o bate-papo. “O autor e o cronista vão a língua do povo porque eles são também a língua portuguesa”, destacou o autor, que ao final da noite fora aplaudido de pé pelo público presente.
O evento foi prestigiado pela secretária de Cultura, Rita Paiva, para quem a vinda do leitor foi mais uma forma de incentivar a literatura na cidade. “Esse contato do escritor/ leitor baseado em fatos tão simples contribui para projetar novos escritores e incentivar as pessoas a lerem mais. Ele conseguiu atingir o público intimamente”, declarou.
Além disso, para a secretária, o contato com a literatura também contribui para que as pessoas tenham um convívio social mais intenso e possam demonstrar seus sentimentos. Assim, a cultura funciona como uma forma de prevenção para problemas de saúde. “Se a pessoa puder mergulhar nesse universo literário, ela conseguirá se expressar e se afastará de uma depressão”, frisou.
Para o coordenador literário da Secretaria de Cultura, Ademiro Alves, o Sacolinha, o bate-papo com o escritor marcou o final do ciclo de formação para escritores e leitores da cidade, realizado ao longo dos últimos anos e que teve como ponto alto a realização do Salão Internacional do Livro, em abril deste ano.
“Para nós, tudo que pudesse ser feito na cidade seria um avanço, pois antes não havia nenhum sarau, nenhum escritor renomado visitava a cidade, não existiam debatem literários e nem tínhamos ideia que havia autores em Suzano. A partir do momento em que começamos a trabalhar isso, os escritores começaram a vir, pois viram que a cidade abria espaço para a produção deles”, lembrou Sacolinha.
Durante esse período, visitaram Suzano nomes como Paulo Lins, Marcelo Rubens Paiva, Moacyr Sciliar, Ariano Suassuna, Zuenir Ventura, Milton Hatoum, Ivana Arruda Leite, Marcelino Freire, entre outros, que contribuíram para a formação dos escritores da região. Ignácio de Loyola Brandão esteve em Suzano em 2006, por meio do projeto Trajetória Literária, e voltou para finalizar o ciclo na cidade.“Foi uma aula festa, como foi a palestra de Ariano Suassuna, na época em que esteve na cidade. Ao mesmo tempo em que você ri, aprende muito”, disse.
Outros projetos literários desenvolvidos em Suzano, como o Pavio da Cultura; Sarau Literatura Nossa; Conte sua história; Fogueira, Literatura e Pipoca; Varal Literário e a Feira de Trocas de Livros e Gibis seguem até o final do ano.
Entrevista: Ignácio de Loyola Brandão fala de sua trajetória literária
Suzano, 18 de outubro de 2012 – Nascido em 1936, na cidade de Araraquara, interior paulista, Ignácio de Loyola Brandão foi incentivado a ler, assim que alfabetizado, pelo pai, contador e funcionário da Estrada de Ferro Araraquarense. Antônio Maria Brandão chegou a publicar histórias em jornais locais e que conseguiu formar uma biblioteca com mais de 800 volumes.
O primeiro texto publicado de Loyola foi uma crítica ao filme “Rodolfo Valentino”, em 1952, na Folha Ferroviária, semanário de Araraquara. Depois disso, ele passa a escrever reportagens, críticas de cinema e entrevistas em outro diário da cidade, O Imparcial, e em 1955 inaugura a primeira coluna social do município. Ao longo da carreira, trabalhou em várias publicações como nas revistas Realidade, Setenta, Cláudia, Planeta, e, Vogue.
Em 1965, Loyola lança “Depois do sol”, seu primeiro livro. Já em “Zero”, o autor faz um retrato da sociedade brasileira atemorizada pela ditadura militar, a censura, a repressão, os esquadrões da morte. Lançado no país em 1975, o livro foi proibido pela censura se tornando acessível apenas no ano de 1979. Entre outros prêmios importantes, Loyola recebeu o Prêmio Jabuti de "Melhor Livro de Contos", em 2000, por "O homem que odiava a segunda-feira". Em 2007, Loyola foi eleito para a cadeira 37 da Academia Paulista de Letras.
Em entrevista concedida a Prefeitura de Suzano, o escritor fala se sua trajetória na literatura, influências, projetos e da importância do projeto Viagem Literária na relação entre autores e leitores.
Desde o começo de sua trajetória, você conciliou o jornalismo e a literatura. Como você vê o relacionamento entre essas duas áreas?
Pra mim, Ignácio de Loyola, o jornalismo foi fundamental por me abrir a visão para o Brasil e o mundo. Tendo sido repórter, eu fazia todo o tipo de cobertura, conversava com todos os tipos de pessoas. Num dia estava entrevistando a Cacilda Becker e em outro estava fazendo uma matéria sobre lixo na rua. Eu vivi várias realidades e isso me permitiu ter uma noção do que era a vida. Ao mesmo tempo, em várias matérias que eu fazia, pensava: “Isso me parece um conto”. Só pra dar um exemplo, uma vez fui fazer uma matéria de um cara que, na rua Barão de Itapetininga, em São Paulo, se escondeu atrás de uma coluna e ficou atirando nas pessoas, até que veio a polícia e ele foi dominado. Aí veio o irmão dele e disse: “O Adamastor quis vencer na vida e enlouqueceu, porque não conseguiu”. Fiz a matéria, mas aquilo ficou na minha cabeça. Aquilo era uma história, que depois transformei num conto e que faz parte do Zero, um dos meus livros mais conhecidos. O jornalismo pra mim foi uma espécie de trampolim, de ponte de apoio em que eu captava os assuntos, usava no jornal ou não, e transformava em literatura. “Bebel que a cidade comeu”, meu primeiro romance, é a história de uma estrelinha de televisão com a qual eu tinha feito uma entrevista. Ela falava dos sonhos todos, de ser famosa, ter uma carreira e que não conseguiu, porque era uma coisa complicada. A televisão é devoradora. E daí o que eu fiz: peguei a história dela e transformei num romance. O jornalismo, então, me deu uma visão de vida e, fundamentalmente, me permitiu ter uma linguagem, ter um gancho e conduzir o leitor. Até hoje faço isso, seja no conto, crônica ou romance. O jornalismo foi essencial.
Você utiliza os recursos do jornalismo?
Claro. O Zero foi um livro inteiro desenhado em cima de páginas, manchetes, tipografias de jornal. Tem notícia, reportagem, nota de pé de página... Tem tudo. O recurso gráfico do jornal também orientou muito a minha literatura. Usei todos os recursos que podia para fazer a minha obra e ainda continuo usando.
Na sua trajetória inteira há uma forte ligação com o cinema. Como é a influencia das outras áreas artísticas para o universo literário?
O cinema me marcou, porque meu primeiro sonho era ser diretor e depois roteirista de cinema. Fui para a Itália, em 1973, porque queria estudar e fazer cinema. Vi tanto filme na vida, até hoje vejo, porque no cinema vou sempre, que todos os meus livros nascem a partir de uma imagem. Essa é a relação do cinema e fotografia. É uma imagem que me grava, impressiona e persegue. Daí percebo: aí tem alguma coisa e coloco no papel. A partir disso, começo a pensar no que poderia fazer. Aí vem um conto ou um romance. Quando escrevi o Zero precisava de uma estrutura para o livro, que trata de uma história muito caótica de um país despedaçado na época da Ditadura Militar, com torturas, prisões, luta armada e etc. Não queria escrever um romance tradicional. Foi quando assisti “Oito e meio”, do Fellini, que, aliás, já vi 108 vezes. É um filme com muitos planos: de memória, realidade, sonho, realidade idealizada e pensei que era aquela a estrutura que precisava. Então, o cinema sempre me dá uma forma de contar uma história. Se pegar um livro meu, ele terá começo, meio e fim como se fosse um filme, porque eu escrevo já pensando que poderia ser um roteiro. Cinema ainda vai ser o meu futuro. Um dia ainda dirijo um filme.
Tem alguma meta nesse sentido?
Não. Fica só um sonho para eu correr atrás.
Nos últimos anos, você tem trabalhado com literatura infantil. Nesses livros, o que você busca transmitir para seus leitores?
Eu sou um contador de histórias, nada mais. Na verdade, quando eu escrevo história infantil eu escrevo pra mim mesmo. Não estou escrevendo para uma criança. Eu só consigo escrever da maneira como sempre escrevi. Tem gente que pergunta se há uma forma específica para me dirigir ao público infantil e eu digo: não. É a minha narrativa. Ah... Mas têm palavras especiais? Não. Eu uso as palavras que sempre uso. E se as crianças não entenderem? Elas que vão procurar onde está o significado daquela palavra, porque eu criança aprendi que o dicionário era o campo de batalha. Um dia perguntei para o meu pai o que era uma palavra e ele me disse: abra esse livro, porque ele ensina o significado das palavras. É importante essa coisa, provocar as crianças. Quando escrevi “O menino que vendia palavras”, que é uma memória de infância de algo que aconteceu comigo, o livro foi transformado em uma peça teatral e ficou em cartaz três meses, em São Paulo. Chegava um momento em que os atores se dirigiam às crianças e perguntavam “vocês gostam de palavras?”. E elas diziam “gostamos”. “Vocês têm alguma palavra da qual gostam?”. E não teve uma criança que não levantou a mão. Essa relação com as palavras deve ser estimulada também pelos professores e pelos pais. Na medida em que envelheço, tento recuperar coisas que perdi lá atrás. “O menino que vendia palavras” é um momento da minha vida em que a professora dava palavras e nós tínhamos que encontrar os sinônimos. Eu era o melhor, porque tinha um dicionário e um pai, que lia muito. Os outros meninos queriam que eu fizesse a tarefa pra eles. Claro que ajudava, mas houve um dia que falei: estou sendo usado. Eu obriguei que um teria que me dar um sorvete, outro uma bolinha, uma gravura, uma pipa, um chiclete... eu vendia palavras, daí o título. Outro livro foi “O menino que perguntava”, porque a editora me perguntou: por que você não continua? Daí fui falar com as minhas duas professoras do fundamental, que ainda estão vivas, e perguntei como eu era. Elas responderam: você era um chato perguntador! Comecei a formular perguntas, fiz 100 da minha cabeça e escrevi o livro. Agora vou fazer mais um, que é uma história do meu avô, que no princípio do século passado montou um carrossel, tendo construído cada cavalo, porque era marceneiro. A minha literatura infantil é uma recuperação de mim mesmo como narrador. Não quero nada além de contar história, que é o que sei fazer... se é que sei fazer.
Qual a importância do projeto Viagem Literária para formar novos leitores?
O escritor brasileiro hoje em dia é muito diferente do escritor de 40 anos atrás. Esse escritor antigo era, em geral, um funcionário público, como o Carlos Drumond de Andrade, que trabalhava num Ministério. Todos trabalhavam em autarquias e repartições. A partir dos anos 70, os escritores passam a vir dos meios de comunicação. Do jornal, televisão, publicidade e etc. Esses escritores deram um novo perfil, pois com a Ditadura, todos começaram a viajar pelo Brasil pra falar sobre política e literatura. Nós percebemos que com isso teve um leve aumento na formação. Hoje, não há escritor que não percorra esse país inteiro. Você tem uma nova figura. Em projetos como este, você tem amparo, viagem paga, cachê e os locais onde tem uma estrutura, como a feita aqui, e você vai transmitir, tentar seduzir as pessoas para que elas se tornem leitores. Você vai encontrar com prováveis leitores seus que gostariam de te conhecer. É uma nova visão de literatura, de leitor e de autor.
Fonte: Secom-Suzano - 18/10/2012
Fotos: Fabi Redondo